quarta-feira, 19 de março de 2014

Tiroteio na mata

Às 11h o meu ramal tocou. Eu tinha acabado de chegar na redação do jornal. Retirava as coisas da mochila enquanto aguardava a inicialização do computador. Não esperei o quarto toque do telefone e catei o aparelho meio desesperado. Do outro lado da linha uma voz feminina. Era uma fonte (informante de jornalistas) que tinha um comércio lá pros lados da Vila Moraes, zona rural de Mogi das Cruzes. "Douglas, está cheio de policia aqui perto", disse a mulher. Assim começava uma sexta-feira do mês de maio de 2008.

A primeira coisa foi checar com a Polícia Militar, mas não havia nada de concreto por lá. Conversei com a chefia de redação e disse que precisava sair rápido. Fui até a sala dos fotógrafos e encontrei o amigo Gerson Lino Jr. Ué, mas o que ele fazia lá aquela hora? O Junior era fotógrafo da coluna social. Só frequentava festas e eventos. Chegava na redação no começo da noite com missão de fotografar a socialite. 

Mas naquele momento ele estava equipado e pronto pra sair. "Hoje eu pedi permissão para te acompanhar na pauta de polícia", justificou o jovem fotógrafo. Ele nem bem terminou a frase e eu emendei. "Então vamos logo porque temos que ver um negócio aí. No caminho te explico".

No estacionamento encontramos com o senhor Benedito. Era o motorista mais tranquilo do jornal. Aposentado, beirando os 60 anos, o Dito (para os mais chegados) é aquele condutor que passa de leve nas lombadas e troca as marchas pausadamente. É o senhor estilo vovô que todo mundo gosta e ninguém fala mal. "Meu sistema é esse". A frase era dita por ele com orgulho pelo menos umas seis vezes por dia. "Dito, toca pra Vila Moraes", avisei. E assim fomos sentido a zona rural mogiana.

Cheguei ao bar da informante. Tomei uma água enquanto ela me indicava onde as viaturas estavam. "Já subiram algumas viaturas", disse a comerciante. Seguimos na estrada de terra sob orientação da fonte. Numa determinada altura vimos uma viatura parada na entrada de uma trilha. Não havia nenhum PM por perto. O Dito estacionou o carro do jornal ao lado e por ali ficou. Eu e o Junior descemos a trilha a pé. Andamos uns 10 metros e nos encontramos com alguns policiais. Eles haviam localizado um carro roubado no meio da mata. 

Era a primeira vez que o fotógrafo Junior trabalhava em uma pauta policial. Então ele me perguntou se deveria fotografar o carro roubado. "Faz umas fotinhas sim, Junior", expliquei. Estávamos em uma área de mata fechada e comecei anotar algumas informações. Segundo a PM, o local estava sendo usando como desmanche clandestino de carros. Em seguida, os policiais subiram a trilha em direção à viatura, lá na estrada de terra onde o carro do jornal também ficou parado. Eu e o Junior permanecemos onde estávamos, no fim da trilha, a cerca de 15 metros da estrada. 

De repente ouvimos um carro se aproximando pela estrada de terra. O clima ficou tenso, já que os PMs correram para ver. Logo os policiais gritaram: "Pára, pára, pára". Não podíamos ver o que se passava na estrada, mas dava para ouvir bem. Em seguida, um forte tiroteio começou. Imediatamente eu deitei no chão e o Junior fez o mesmo. Fiz sinal de silêncio levando o indicador direito à frente da minha boca e ele já estava pálido feito uma folha branca. Os tiros e gritos de ordem continuavam.

Ficamos deitados na lama e o Junior me perguntou em forma de sussurro. "É sempre assim?". E eu respondi: "Não, essa é a primeira vez que acontece". E várias coisas começaram a passar pela minha cabeça. Lembrei da hora que despertei em casa para vir trabalhar. Imaginei que poderia morrer na pauta e que nunca mais voltaria para casa. Achei que os ladrões iriam invadir a mata e nos tomar como reféns. Me preocupava com o Dito, que ficou na estrada. Mas não tinha nada a fazer. Apenas rezar e esperar. Foram os 10 segundos mais longos da minha vida até que os tiros cessaram. Aguardamos ainda mais um tempo, uns 30 segundos, para subir a trilha. Ouvimos os policiais dizendo que uma pessoa tinha sido presa. 


Deixamos o local com as pernas moles. Dito foi o primeiro que vi. Estava atônito. Ele ficou escondido atrás do carro do jornal durante os dez segundos de bang-bang. Fez sinal de positivo. Nada acontecera com ele. Nos encontramos com os policiais e eles estavam preocupados com nossa integridade. 

Dissemos que estávamos bem e, depois do susto, a sessão gargalhada começou. Eles (policiais) explicaram que um grupo de bandidos se aproximou em dois carros quando o tiroteio começou. Um foi preso e o resto do bando se escondeu na mata. Eles abandonaram os dois veículos que, segundo os PMs, também eram roubados.

Os acessos à estrada de terra foram bloqueados. E o helicóptero Águia logo chegou para auxiliar nas buscas pela mata. Após o susto Junior fez centenas de fotos. E a sensação de alívio que eu sentia era inexplicável. Após horas de buscas, nenhum suspeito foi localizado. A PM liberou os acessos e nós viemos embora. Por ser uma sexta-feira e o local abrigar vários sítios, um engarrafamento de turistas havia se formado na entrada na estrada. Conversamos com alguns deles e explicamos que o perigo já havia passado. 

Na redação contamos sobre nossa aventura na mata. Por volta das 18h eu escrevia o texto ainda sob efeito da adrenalina. E, ao mesmo tempo sentia um alívio por estar bem. Agradeci o Junior pelas fotos e pelo profissionalismo. No dia seguinte, a matéria foi manchete e as fotos do Junior ganharam destaque na capa. Registros dignos de um fotógrafo experiente que não titubeou diante da situação. Não me lembro se ele voltou a fotografar para a coluna social, mas o tiroteio na mata rendeu assunto nas rodinhas do jornal por várias semanas.

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