A primeira coisa foi checar com a Polícia Militar, mas não havia nada de concreto por lá. Conversei com a chefia de redação e disse que precisava sair rápido. Fui até a sala dos fotógrafos e encontrei o amigo Gerson Lino Jr. Ué, mas o que ele fazia lá aquela hora? O Junior era fotógrafo da coluna social. Só frequentava festas e eventos. Chegava na redação no começo da noite com missão de fotografar a socialite.
Mas naquele momento ele estava equipado e pronto pra sair. "Hoje eu pedi permissão para te acompanhar na pauta de polícia", justificou o jovem fotógrafo. Ele nem bem terminou a frase e eu emendei. "Então vamos logo porque temos que ver um negócio aí. No caminho te explico".
No estacionamento encontramos com o senhor Benedito. Era o motorista mais tranquilo do jornal. Aposentado, beirando os 60 anos, o Dito (para os mais chegados) é aquele condutor que passa de leve nas lombadas e troca as marchas pausadamente. É o senhor estilo vovô que todo mundo gosta e ninguém fala mal. "Meu sistema é esse". A frase era dita por ele com orgulho pelo menos umas seis vezes por dia. "Dito, toca pra Vila Moraes", avisei. E assim fomos sentido a zona rural mogiana.
Cheguei ao bar da informante. Tomei uma água enquanto ela me indicava onde as viaturas estavam. "Já subiram algumas viaturas", disse a comerciante. Seguimos na estrada de terra sob orientação da fonte. Numa determinada altura vimos uma viatura parada na entrada de uma trilha. Não havia nenhum PM por perto. O Dito estacionou o carro do jornal ao lado e por ali ficou. Eu e o Junior descemos a trilha a pé. Andamos uns 10 metros e nos encontramos com alguns policiais. Eles haviam localizado um carro roubado no meio da mata.
Era a primeira vez que o fotógrafo Junior trabalhava em uma pauta policial. Então ele me perguntou se deveria fotografar o carro roubado. "Faz umas fotinhas sim, Junior", expliquei. Estávamos em uma área de mata fechada e comecei anotar algumas informações. Segundo a PM, o local estava sendo usando como desmanche clandestino de carros. Em seguida, os policiais subiram a trilha em direção à viatura, lá na estrada de terra onde o carro do jornal também ficou parado. Eu e o Junior permanecemos onde estávamos, no fim da trilha, a cerca de 15 metros da estrada.
De repente ouvimos um carro se aproximando pela estrada de terra. O clima ficou tenso, já que os PMs correram para ver. Logo os policiais gritaram: "Pára, pára, pára". Não podíamos ver o que se passava na estrada, mas dava para ouvir bem. Em seguida, um forte tiroteio começou. Imediatamente eu deitei no chão e o Junior fez o mesmo. Fiz sinal de silêncio levando o indicador direito à frente da minha boca e ele já estava pálido feito uma folha branca. Os tiros e gritos de ordem continuavam.
Ficamos deitados na lama e o Junior me perguntou em forma de sussurro. "É sempre assim?". E eu respondi: "Não, essa é a primeira vez que acontece". E várias coisas começaram a passar pela minha cabeça. Lembrei da hora que despertei em casa para vir trabalhar. Imaginei que poderia morrer na pauta e que nunca mais voltaria para casa. Achei que os ladrões iriam invadir a mata e nos tomar como reféns. Me preocupava com o Dito, que ficou na estrada. Mas não tinha nada a fazer. Apenas rezar e esperar. Foram os 10 segundos mais longos da minha vida até que os tiros cessaram. Aguardamos ainda mais um tempo, uns 30 segundos, para subir a trilha. Ouvimos os policiais dizendo que uma pessoa tinha sido presa.
Deixamos o local com as pernas moles. Dito foi o primeiro que vi. Estava atônito. Ele ficou escondido atrás do carro do jornal durante os dez segundos de bang-bang. Fez sinal de positivo. Nada acontecera com ele. Nos encontramos com os policiais e eles estavam preocupados com nossa integridade.
Dissemos que estávamos bem e, depois do susto, a sessão gargalhada começou. Eles (policiais) explicaram que um grupo de bandidos se aproximou em dois carros quando o tiroteio começou. Um foi preso e o resto do bando se escondeu na mata. Eles abandonaram os dois veículos que, segundo os PMs, também eram roubados.
Os acessos à estrada de terra foram bloqueados. E o helicóptero Águia logo chegou para auxiliar nas buscas pela mata. Após o susto Junior fez centenas de fotos. E a sensação de alívio que eu sentia era inexplicável. Após horas de buscas, nenhum suspeito foi localizado. A PM liberou os acessos e nós viemos embora. Por ser uma sexta-feira e o local abrigar vários sítios, um engarrafamento de turistas havia se formado na entrada na estrada. Conversamos com alguns deles e explicamos que o perigo já havia passado.
Na redação contamos sobre nossa aventura na mata. Por volta das 18h eu escrevia o texto ainda sob efeito da adrenalina. E, ao mesmo tempo sentia um alívio por estar bem. Agradeci o Junior pelas fotos e pelo profissionalismo. No dia seguinte, a matéria foi manchete e as fotos do Junior ganharam destaque na capa. Registros dignos de um fotógrafo experiente que não titubeou diante da situação. Não me lembro se ele voltou a fotografar para a coluna social, mas o tiroteio na mata rendeu assunto nas rodinhas do jornal por várias semanas.
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