terça-feira, 11 de fevereiro de 2014

No lugar certo, na hora certa.

Dia 30 de julho de 2003. Às 10h, eu, que era repórter da Rádio Metropolitana AM, em Mogi das Cruzes (SP), estava no gabinete do prefeito de Suzano em uma pauta comum. Nada de tão importante. No mesmo dia, às 18h30, eu falaria ao vivo para todo o Brasil no link da TV Bandeirantes com o apresentador José Luiz Datena. Motivo: às 13h eu estava no lugar certo, na hora certa. Virei notícia.

A história começa no dia 4 de junho daquele ano quando um jovem empresário de Suzano foi sequestrado nos arredores do shopping deste município. O centro de compras, na ocasião, pertencia à sua família. Era uma época em que os grandes sequestros assolavam o Estado de São Paulo. Tanto que, anos atrás, o irmão da dupla Zezé de Camargo e Luciano também havia sido mantido em cárcere. No caso do irmão dos cantores e do jovem empresário de Suzano, os sequestradores chegaram a decepar parte da orelha das vítimas. 
Durante o sequestro em Suzano, parte do órgão foi enviado à família do empresário com uma carta escrita por vítima e um pedido de resgate. 

O final da história, no entanto, começou a se desenhar quando um dos integrantes da quadrilha foi preso na cidade de Poá. O restante do bando soube da prisão do comparsa e a vítima foi libertada na Rodovia Régis Bittencourt, no dia 30 de julho. Às 10h, quando eu estava no gabinete do prefeito de Suzano, naquela pauta não tão importante, a informação sobre a libertação do empresário explodiu. E rapidamente se tornou um dos assunto mais comentados nos quatro cantos da cidade durante a manhã.

Colegas da imprensa do Alto Tietê foram para São Paulo, pois o delegado responsável pela investigação daria uma entrevista coletiva. Além disso, a vítima, que tinha recebido cuidados médicos em SP por estar bastante debilitada, também poderia prestar depoimento e falar com os repórteres. Mas a coisa começou a mudar.

Minha chefe na época, a jornalista Marilei Schiavi, ordenou que eu ficasse em Suzano. Fiquei puto, num primeiro momento, mas... Eu era um jornalista novo, estava há 6 meses na profissão e queria muito ver tudo aquilo de perto. Minha vontade era ir para a capital para acompanhar a coletiva. Logo depois, a imprensa de SP deu imagens do empresário deixando o hospital na capital coberto com um pano. Sendo assim, ninguém viu o seu rosto, já que os comentários eram de que o sequestrado estava com a barba comprida e bastante magro. Isso causou uma curiosidade imensa nas pessoas. O empresário deixou o hospital e ninguém soube para onde ele foi. Pois bem, fiquei no estacionamento no shopping da cidade tentando repercutir a soltura da vítima com alguém da família. Ninguém queria falar. Resolvi permanecer nos arredores do shopping e, além disso, tinha que entrar ao vivo a todo momento com informações do caso. Sentei em uma sombra e comecei a anotar o que iria falar em breve.

Entretanto, no começo da tarde a sorte começou a virar para o meu lado. Uma movimentação suspeita tomou conta do estacionamento do centro de compras. Viaturas da Divisão Antissesquestro chegam ao local. Estacionaram os carros e formaram um quadrado com aquela fita zebrada. Eram agentes fortemente armados. Olhei para o alto e vi um helicóptero sobrevoando o céu de Suzano em um dia de sol e tempo aberto.  

A aeronave pousou rápido e eu pude ver o empresário em seu interior. A emoção tomou conta do jovem repórter. Imediatamente entrei ao vivo dando a notícia. Não me lembro direito como falei, mas estava muito empolgado e com a adrenalina a mil. O empresário estava realmente bem mais magro e com uma barba comprida. Bastante debilitado, ele fez sinal de positivo, mas gesticulou que não queria falar. Fiquei bem próximo dele. Foi um dos maiores furos jornalísticos da minha carreira. Logo, o empresário entrou em um carro e deixou o local. Ele foi levado para casa. Com as pernas moles pensei: "o que foi que eu fiz?

Para a minha imensa surpresa, horas depois emissoras de TV de São Paulo [Record e Band] me ligaram para saber como o empresário estava. Todos me diziam. "Cara, você foi o único jornalista que viu o sequestrado". Queriam saber se eu tinha feito alguma imagem dele. Não havia registro, mas mesmo assim, os produtores das emissoras me perguntaram se eu poderia falar ao vivo no link mais tarde. Celulares ainda não fotografavam. Redes sociais não existiam. Meu gravador funcionava com uma fita cassete.

No final da tarde a imprensa de quase todo o Brasil estava diante do prédio onde o empresário morava no centro de Suzano. Emissoras de rádio, jornais e TV. Dei entrevista para a CBN e fui destaque na edição do dia seguinte do Diário de Suzano, em uma matéria da colega Alessandra de Assis. A Rádio Metropolitana também fez um editorial baseado na minha saga. O jornalista que virou notícia, rs! O link da Record não fechou por problemas técnicos, e o repórter Gerson de Souza me pediu desculpas. Entretanto, falei para todo o Brasil com o apresentador Datena em uma entrevista que ainda contou com a participação do repórter Figueiredo Junior. Não tenho registro disso, mas me lembro que foram cerca de 10 minutos de bate papo. Datena queria saber detalhes de como o empresário estava. 
Foto: Reprodução (Aquivo Diário de Suzano)
Eu [de preto] no link. Foto: Francisco Alvarenga DS/Arquivo
A imprensa permaneceu de plantão nos dias que se seguiram, diante do prédio do empresário. Para mim aquilo tudo era muito novo e fascinante, afinal, estava há 6 meses trabalhando como repórter. Fiquei deslumbrado. Fiz ótimas amizades e aprendi demais naquela semana. Vi, na prática, realmente, como era uma grande cobertura jornalística. O que mais me recordo são as brincadeiras e conversas. Um bando de fotógrafos, repórteres e cinegrafistas "vivendo" na calçada de um prédio residencial. Como não existia internet sem fio e muito menos 3g, os contatos com as redações eram constantes. As rádios de notícia ficavam sintonizadas durante todo o tempo. Era a única fonte de notícias. A calçada do prédio se transformara em uma sala de imprensa.


Percival participou da cobertura.
Foto: Fernando Araújo / Arquivo DS
O que todos queriam era uma entrevista com a vítima. Dias depois, quando boa parte da imprensa já tinha perdido o interesse pelo caso, o pai do empresário atendeu os três repórteres que ainda faziam plantão no local. Eu, Carla Fiamini [Diário de Suzano] e Ricardo Gallo [Mogi News]. Era uma sexta-feira, tarde da noite. Ele disse que o filho não iria aparecer. Atendeu somente os repórteres e não permitiu a entrada de fotógrafos. Ninguém pôde gravar a entrevista. Logo na entrada, ele nos deu bombons e depois conversou conosco durante mais de uma hora em um salão no edifício onde morava. Era a primeira vez que um integrante da família falava sobre o caso. Os jornais deram grandes matérias no dia seguinte, mas como eu não pude gravar, tive de contar tudo o que acontecera aos ouvintes. A missão estava cumprida.

Muitos jornalistas daquela época não estão mais no Alto Tietê, alguns seguiram para São Paulo, outros nunca mais ouvi falar e uma minoria ainda ainda convive comigo na amizade e no companheirismo. Infelizmente, uma das colegas que estava conosco nessa pauta faleceu no ano passado, vítima da gripe H1N1, em Ferraz de Vasconcelos. 

Quase 11 anos se passaram e não me esqueço da minha primeira grande cobertura jornalistica e, por isso, não canso de contá-la. A ideia de relatar essa história aqui surgiu quando eu contava, mais uma vez, esse episódio, agora no começo de fevereiro. O ouvinte era um colega de trabalho. Após os detalhes do dia em que virei notícia, o colega me perguntou: "Douglas, por que você não conta isso no seu blog"? É verdade. Tá aí, Willian Almeida. Valeu pelo toque, cara.

5 comentários:

  1. Não esqueço a sua fala que a vitima tinha acabado de passar na sua frente caminhando com suas próprias pernas. Kkkkkk...

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  2. poxa....os cabelos não continuam os mesmos.
    você é fera meu amigo.

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  3. Muito legal, Douglas!! Lembro dos almoços na frente do prédio rs... abraço,

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  4. Ser jornalista nem sempre significa estar por trás da matéria. Mas também ser o alvo da matéria. Foi um dos grandes casos que pude cobrir atuando na imprensa do Alto Tietê. Esse e o dos Skinheads que jogaram os jovens do trens são dois acontecimentos que sempre voltam à minha mente. Obrigada pela lembrança de se recordar que esteve nas páginas matéria assinada por mim.

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