sexta-feira, 28 de fevereiro de 2014

Fui uma "Viúva Virgem" em 1998

O tempo estava abafado então o batom começou a derreter rapidamente. Passava das 20h e o fato de estar atrasado não me deixava escolher os brincos e o colar que usaria naquela noite. A pressa me fez vestir o vestido estampado em 15 segundos. Calcei a rasteirinha, peguei um óculos escuros, encontrei com os amigos e juntos descemos a Rua Tiradentes, a caminho do centro de Suzano. Era um grupo de jovens vestidos de mulher rumo à concentração do Bloco "Viúvas Virgens", no carnaval 1998. O último ano em que a festa popular foi realizada na Rua General Francisco Glicério.


Foto: Rita Pires
O bloco conhecido por arrastar centenas de homens vestidos de mulher se preparava para mais uma noite de desfile. Nosso grupo formado por seis jovens suzanenses estava lá. Minha irmã e as amigas dela ficaram atrás do cordão de isolamento com a missão de tentar nos fotografar. Estavam com uma Yashica manual, munida com um rolo de filme Fuji colorido de 24 poses.

Naquela época, os desfiles carnavalescos em Suzano aconteciam nos 4 dias. Sábado eram os blocos e domingo as escolas. Depois essa sequência se repetia na segunda e terça. Mas o nosso desfile era foi em uma segunda-feira. Passava das 20h30 e lá estávamos na concentração, pouco antes da Praça dos Expedicionários.

O mais interessante no bloco era o espírito democrático. Desfilava quem tivesse vontade. Bastava aparecer com trajes femininos e se juntar aos outros [outras] na concentração. Não existia samba enredo. E o primeiro carro sempre satirizava o cenário político atual da cidade. Ali era exposta a criatividade do criador do bloco: o suzanense Américo Xavier. Um figuraça, amante do carnaval. 

E assim que a sirene tocava as viúvas desciam a Glicério de peito aberto. Eita tempo bom. O público as aguardava com empolgação. E a bagunça tomava conta da rua mais conhecida da minha cidade. Me lembro o quanto era engraçado ver advogados, empresários, comerciantes e operários de Suzano vestidos de mulher. O mais gostoso no desfile era a participação do público que sempre interagia com travestidos. 

E o nosso grupo debutava naquela festa democrática em 1998. Não havia brigas e confusões. Era só brincadeira e descontração. O desfile terminava lá na Praça João Pessoa (a segunda praça, como dizem os suzanenses). E a festa continuava até o final dos desfiles na passarela do samba.

O grupo subia a Rua Benjamin (paralela à Glicério). Era o caminho de volta à folia. Em pouco tempo já estávamos livres das roupas femininas e prontos para continuar curtindo o carnaval. Minha tarefa, naquele dia, era encontrar minha irmã para saber se ela tinha conseguido me fotografar no meio da bagunça. 

As fotos foram feitas, mas só saberíamos o resultado depois da quarta-feira de cinzas. Era o antigo processo (revelação). E para falar verdade, até que era gostoso ter de esperar o resultado das fotos. Pois bem, botei fé que pelo menos um retrato sairia daquele rolo de filme. Fotografar em meio a arruaça que as viúvas promoviam no centro era uma missão meio que impossível.

Na ressaca de carnaval o resultado: fotos inéditas. Foi um sarro entre os amigos e familiares. Os retratos eram passados de mão em mão. Depois colocados em álbuns e arquivados em armários. Muito diferente da maneira como lidamos com fotos no mundo digital de hoje, com Facebook e Whatsapp. E como no carnaval tudo é festa, após 16 anos, resolvi publicar um desses retratos para comemorar. A foto abaixo é inédita. É a lembrança do último da Rua General Francisco Glicério.
Foto: Rita Pires

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