Aquele cheiro que nos traz ótimas lembranças. Capaz de nos abduzir para outras épocas. Quem nunca? Sempre fui ligado a odores. Desde criança. Alguns ruins outros bons. E até hoje, aos 36 anos de idade, vivo me encontrando com os cheiros que seguem vivos na minha memória.
Eu ainda não estava na escola. Tinha uns 5 ou 6 anos e meu irmão era mais novo. Ele tinha 3. De segunda a sexta, por volta das 17h eu ficava na sala assistindo TV. O espaço era grande, uma sala enorme, que fazia fronteira com a cozinha, com mesa, cadeiras, armários e fogão vermelhos. De segunda a sexta minha mãe começava a preparar o jantar no final da tarde. Meu pai trabalha em uma fábrica, em 3 horários. Às 5 e pouco da tarde o alho queimava com o arroz ou com o feijão. O alimento cru, em contato com a panela e o alho quente fazia um barulhão. A chamada calefação. O delicioso aroma do pré-jantar invadia a sala bem na hora da abertura do Sítio do Pica Pau Amarelo.
Estudei no período da manhã nos meus 5 primeiros anos letivos. Não fiz pré-escola e entrei direto na primeira. Entrava às 8h. A escola era perto da minha casa: menos de 10 minutos de caminhada. Acordava bem adiantado, mas enrolava demais e perdia no tempo. No final, estava quase atrasado, sempre. Levava cerca de 10 minutos para colocar um par de meias. Minha mãe fazia ameaças e previa que quando eu entrasse no exército a meia teria de ser enfiada no pé a seco, em 2 segundos. Antes de sair eu passava no banheiro. Deixava para escovar os dentes do final de tudo, antes de entrar no quintal que dava acesso à rua. Aquele aroma do creme dental ia caminhando comigo até a sala 8 da Escola Estadual Antônio Marques Figueira, em 1984.
Sempre estou a dizer: matemática nunca entrou na minha cabeça. Vejo a área de exatas como algo pontudo, sem encaixe. E por conta da dificuldade, é óbvio que sofri nas aulas de matemática. Fui um dos alunos que mais gastei borrachas brancas. A folha ficava quente de tanta esfregação e aquele exercício dificilmente era resolvido. Da tabuada à álgebra. Mas eu gostava só das borrachas brancas. Nada daquelas que prometiam apagar tinha de caneta esferográfica, nem as verdes e muito menos aquelas com aroma de tutti-frutti. A velha e companheira borracha branca foi minha companheira nas árduas tarefas de matemática.
Sabonete verde [Changeman e Jaspion]
Changeman e Jaspion dominaram as tardes na televisão no começo da década de 90. Eu não perdia um capítulo daquela guerra entre heróis de armadura e monstros vindos do espaço. Tinha por volta de 13 anos e, nos meses de férias, aguardava o dia inteiro para acompanhar o seriado que começava às 17h. Minha mãe, no entanto, fazia uma exigência, apenas. Eu e meus irmãos teríamos que tomar banho antes do programa começar. Porque se fôssemos deixar para depois, a coisa embolava. Depois da higiene, o trio sentava na sala (exalando o cheiro do sabonete verde) para companhar as lutas. Os finais eram sempre os mesmos. Os monstros eram derrotados.
Em novembro de 1993 eu entrei no mercado de trabalho. Balconista em uma papelaria. Tinha acabado de passar pelos 15 anos e era o único balconista do sexo masculino no estabelecimento. Trabalhava com outras 8 mulheres, com idade entre 18 e 20 anos. Elas falavam bastante, imagina? Entre as garotas do grupo, tinha uma que usava um perfume doce que chamava a atenção. E todos os dias aquele aroma tomava conta do ambiente de trabalho. Não era um cheiro ruim, porém, marcante. Um dia perguntei a ela. Que perfume é esse? E ela respondeu enquanto empacotava mercadorias. Nunca mais esqueci desse nome.
Quem é de Suzano ou região e tem mais de 30 anos de idade já deve ter pisado, pelo menos uma vez, na danceteria suzanense NDO. Point que dominou os anos 90. Paredes de espelho, fumaça artificial e uma turma de jovens dançando os "passinhos da época". Calça jeans, camiseta da HD e sapato Cannon. Eu estava lá quase todos os domingos, com minha gangue. E, antes de entrar, é claro, a passada estratégica na padaria para adquirir o "kit domingueira"[naquela época ainda não era usado o termo "balada"]. Uma das minhas peças do kit era a goma de mascar de menta. O pacote com 6 barrinhas durava poucas horas, mas não me importava Ainda mais quando o objetivo dentro do baile era atingido.
Pipoca, amendoim e queijo [Jornalismo Braz Cubas]
Ou eu comia no intervalo ou guardava a grana para tomar o ônibus. Durante um bom tempo essa era a minha realidade na vida acadêmica. E quando eu optava por me alimentar quase sempre encostava no carrinho de pipocas de um senhor de cabelos brancos. Ele ficava no alto da rampa do antigo campus II. Pipoca, amendoim e queijo ou pipoca, castanhas e queijo. O aroma da fritura invadia o prédio e chegava até a porta da sala 7, onde estudei os primeiros semestres e tive certeza da profissão a seguir. E o cheiro da pipoca sempre me acompanhou. Não sei se este senhor ainda comercializa pipocas na universidade. Mas, se eu cruzar com ele, com certeza terei de encostar no seu carrinho.
Graxa [Senai]
Nunca fui bom em cálculos. Mas, quase fiz parte de uma turma do Senai de Suzano, nos anos 90. Não era a minha vocação. Hoje eu tenho consciência disso. Mas, passei na prova e fui até a segunda-fase. Ia ser mecânico e fiquei fascinado quando conheci as oficinas. O cheiro de graxa nunca me saiu da mente. E se eu tivesse passado, seria mecânico? Será? Mais uma vez os cálculos me derrubaram e hoje eu os agradeço. A aritmética bondosa me empurrou de volta aos trilhos da comunicação e, de lá, até hoje, não mais descarrilei.
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