Citei o bom velhinho no começo do texto, mas a essa altura, aos 9 anos, eu não mais acreditava que os presentes das crianças do mundo inteiro eram, realmente, entregues por ele. Por isso pedi diretamente aos meus pais o tal ônibus. Nada de escrever carta para Noel.
Depois de um tempo desconfiei que os dois ônibus de brinquedo [meu e do meu irmão] foram comprados em outubro daquele ano. Minha investigação começou quando chegou o informativo de que não teríamos presente no dia das crianças. Sabia que o tal ônibus era caro e que meu irmão iria ganhar um igual. A investigação prosseguiu.
Não questionei meus pais diretamente, mas, num certo dia, como que se estivesse munido com um mandado de busca e apreensão, eu revirei os possíveis locais onde os dois ônibus deviam estar ocultados.
Era uma tarde. Dia de semana. Minha mãe devia estar lavando o quintal. A TV ligada e eu vasculhando um dos quartos. Fui direito ao ponto. Estava embaixo de um monte de panos [se não me engano] dentro do guarda roupas.
Os veículos eram mantidos dentro de uma embalagem de papelão. Abri uma frestinha e toquei os dedos sobre a lisa lataria. Lembro do cheiro do brinquedo. Foi um momento de muita alegria. Era a certeza de que os ônibus viriam no dia 24 de dezembro. Não me lembro se revelei ao meu irmão, com 6 anos, o resultado da investigação. Também não tenho recordação se meus pais souberam disso. Enfim, acho que, no fundo, sabiam que eu sabia.
Dia 24 de dezembro amanheceu chuvoso e nublado. Os dois veículos estavam embrulhados e estacionados aos pés da árvore. Rasgamos os papéis e os veículos saíram em alta velocidade. Chovia lá fora, mas na avenida imaginária por onde os ônibus circulariam predominava o clima que nós desejássemos. Perto da porta da cozinha era o ponto final. Não havia terminal rodoviário. Eles percorriam o longo corredor até o último quarto e voltavam. Nessa estrada não havia acidentes, imprudência no trânsito e os atraso nas viagens. Eu e meu irmão brincávamos por horas a fio com os veículos novinhos, literalmente, cheirando a tinta.
Assim como nos coletivos de verdade, os nossos ônibus prestavam serviço por todo o País. Eram empurrados sempre pelo mesmo carpete: o corredor da minha antiga casa. E como criança é especialista em imitar ronco de motores, conosco não era diferente. O ruído que vinha do peito infantil e escapava pela boca pequena narrava a arrancada, o aumento de velocidade e a estabilidade na estrada aos 80 km/h. Variava do grave ao agudo, no momento da frenagem. E nessa caravana da imaginação os ônibus passaram pelo Piauí, Pernambuco, Santa Catarina e rodaram muito em São Paulo.
A viajem, às vezes, era interrompida por minha pequena irmã, na época com 2 anos, que tinha recebido uma boneca de Natal. O problema é que ela também queria um ônibus. Não para empurrar, mas para andar sentada em cima. E por causa disso teve muita confusão.
Virei fã dos ônibus de turismo naquela época e, num certo dia, meu pai nos levou ao Terminal Rodoviário do Tietê para conhecer os possantes movidos a diesel. Descobrimos que nossos ônibus existiam de verdade. Aquilo fortaleceu a minha imaginação e deu credibilidade à brincadeira que seguiu por anos e anos.
E no Natal de 1986 o dia seguiu nublado. Papai Noel não entrou pela janela da minha casa. Nem deixou os ônibus dentro de meias. Mas tive a certeza que o espírito dele estava presente. Como ainda está, em todos os natais, ao redor da minha família, na nossa árvore piscante, no presépio e em cada um de nós que acreditamos no espírito de Natal. Papai Noel existe, com certeza.
Nenhum comentário:
Postar um comentário