quinta-feira, 6 de novembro de 2014

O melhor presente de Natal

Estávamos em oito. O papo seguia embalado como em todas as tardes no horário do café em uma das mesas do refeitório da empresa. Para comer: coxinha, bolachas e pão na chapa. E de bebida tinha suco, água de coco e iogurte. Ocupávamos a última mesa do espaço, situada ao lado da estrutura transparente que nos permitia ver o tempo nublado lá fora naquela tarde de quarta-feira, mês de novembro. De repente, alguém diz. “Eu gostava do Pitfall”. E na ponta da mesa o colega responde tentanto imitar o som do joguinho do extinto video-game Atari. Os oito amigos riram alto e o rumo da conversa acabara de mudar. A partir daquele momento, começaríamos a relembrar dos fantásticos jogos do Atari e a evolução dos video-games.

Isso tudo me fez voltar ao Natal de 1987. Tinha 10 anos e a matemática quase me fez repetir de ano na quarta série da Escola Estadual Antonio Marques Figueira, em Suzano. Aqueles problemas de porcentagem não entravam na minha cabeça, mas, por outro lado, era um aluno disciplinado e ia bem em outras matérias. Fiquei de recuperação, estudei e passei. Foi a professora Marilene que deu a boa notícia aos meus pais. Sendo assim, eu ganharia um presente de Natal. Na verdade, ganharia de qualquer forma, eu acho.

Por volta das 19h do dia 24 de dezembro a casa já estava envolta em um clima de ceia. Cheiro de comida boa pairando (coisa de gordo). Meu irmão tinha 7 anos e a irmã 3. Lembro da minha mãe terminando de preparar o jantar na cozinha. A prima Amanda, que também tinha 10 anos, estava em casa e meu pai, provavelmente, dava um auxílio nos afazeres domésticos. 

As horas se seguiram e por volta das 20h30 chegava a informação de que meu pai foi visto pulando uma das janelas com um grande embrulho nas mãos. Ao que tudo indicava era o presente. Fontes ligadas ao meu pai disseram na ocasião que havia chances de ser um vídeo-game Atari. Neste caso, um presente compartilhado entre eu e meus irmãos. Fiquei muito feliz. Porém, a informação não era oficial.

Pouco tempo depois meu pai entrava pela porta da sala de nossa antiga residência na Rua Tiradentes, centro de Suzano, com a grande caixa na mão. As fontes estavam certas. Rasguei o embrulho como um pitbull feroz e lá estava o video-game Atari. Foi uma felicidade indescritível. Pulei, abracei meu pai e logo queria ver o aparelho funcionando.

Daí percebi que tudo se encaixava. Meu pai pulou a janela para não passar pela sala. Mas isso nem importava. Após a instalação do Atari, lá estava eu tentando controlar o carrinho do Enduro na tela da antiga TV Mitsubishi (a primeira colorida da minha casa, porém sem controle remoto). Foi um dos natais mais feliz da minha vida. Meu pai arrebentou no presente. Só perdeu para o presente do natal de 1986. Já falei sobre isso aqui. Veja. <<<<clique aqui>>>>

Primos e tios chegaram. Organizávamos filas para que todos jogassem. O aparelho não tinha hora para ser desligado naquele dia. E assim foi madrugada a dentro. A empolgação era qual seria o próximo cartucho (jogo) a ser comprado. O segundo que ganhei foi Frogger, presente do meu tio Jorge, dias depois. Aquele em que o sapinho tinha que atravessar avenidas para ganhar pontos. Pai, mais uma vez, obrigado pelo presente.

E o papo na mesa do refeitório da empresa naquela tarde de quarta-feira seguia animado. “Paguei meu PlayStation em várias parcelas”, disse o colega. A conversa ainda era sobre vídeo-game. “Os finais do Street Fighter eram estranhos, lembram?”, comentou o outro colega. E por aí foi: Master System com Alex Kid na memória, Neo Geo, Mortal Kombat e Sonic. Após um breve silêncio um dos colegas se levantou rapidamente para voltar ao trabalho. O intervalo para o café estava terminando. Eu deixei o local em segundo e logo depois todos voltaram para a redação da TV Diário. Faltavam pouco mais de uma hora para o Diário TV 2ª edição começar. 

sexta-feira, 8 de agosto de 2014

Tem um jogador de futebol dentro da BMW

Havia um carro de luxo parado perto de uma rotatória em Mogi das Cruzes. Estava com um risco na lataria. Ao lado uma viatura policial e pouco mais a frente um caminhão. Pensei: houve um acidente de trânsito sem gravidade. E o carro de reportagem do Mogi News que me transportava naquela tarde seguiu viagem. Alguns segundos se passaram eu falei para o fotógrafo: "Mas aquilo está estranho". O motorista do carro do jornal (capaz de ler pensamentos de repórteres) deu a meia-volta.

Descemos e o policial militar que fazia anotações em uma ficha nada disse. É sério. Ele fez gestos de que não ia falar nada. Achei mais estranho ainda. Havia um grupo de crianças perto do carro. Dois meninos pendurados em um alambrado gritaram. "É o jogador de futebol fulano de tal que está aí dentro do carro. Ele falou com a gente".

Os vidros do carro eram protegidos por aquelas películas escuras. Não dava para ver nada lá dentro. Mas havia alguém lá dentro. As mesmas crianças que delataram o jogador disseram também que antes da chegada da reportagem o atleta chegou a tirar fotos por ali. Pois bem. A reportagem apurou que o carro e o caminhão se envolveram em um acidente quando contornavam uma rotatória perto de um hospital estadual no bairro Mogilar, em Mogi das Cruzes.

Nota publicada pelo jornal Agora SP sobre o caso
Outros policiais chegaram e a informação de que se tratava de um jogador de futebol foi se confirmando. E realmente ele ainda estava dentro do carro. Ele e a esposa. Chegou um caminhão guincho (estes de empresas de seguro) e a operação reboque começou. Mesmo assim, o atleta que há havia jogado no Corinthians, antes de se transferir para o futebol carioca naquela época, não saiu lá de dentro. As apurações continuavam até que veio a informação oficial. Era mesmo o tal atacante que estava dentro do valioso automóvel.

O carro foi guinchado e, de repente uma forte chuva caiu. Nossa equipe seguiu o guincho por alguns quilômetros até a Mogi-Dutra e resolvemos voltar. Na redação, após conversar com a editora, chegaram informações de que o futebolista era casado com uma mogiana e, por isso, estava na cidade com aquele carrão. Não me lembro, mas acredito que na época ele estava jogando pelo Vasco. Essa mesma fonte disse ainda que ele conheceu a esposa em Mogi, já que o atleta frequentava uma extinta boate que ficava nos quilômetros iniciais da Mogi-Dutra, na época em que jogou no Timão.

A matéria saiu no dia seguinte. A foto ficou bacana, mas ninguém conseguiu ver o rosto do polêmico atacante. Algumas semanas se passaram e um amigo me fez uma pergunta por meio do Orkut. "Douglas, você está trabalhando no site do Milton Neves?". Eu neguei, mas quis saber o motivo. E ele, rapidamente, sacou um link. Lá estava a minha matéria assinada com devidos créditos no site do apresentador. Foi uma surpresa.

Sei que o jogador atualmente está no Botafogo e é peça fundamental no time da estrela solitária. Me lembrei dessa história ao ver um carro idêntico em uma movimentada avenida estes dias. Curioso, fui pesquisar na Internet se havia registros do acidente sem vítimas envolvendo o jogador em Mogi e achei essa notinha do jornal AGORA SP: Carlos Alberto bate o seu BMW X5 
E as crianças tinham razão. Havia um jogador de futebol famoso dentro do carro. 

terça-feira, 29 de julho de 2014

Viciado

Faz quatro meses que entrei para essa vida. Acho que é um vício. Desde março faço uso disso. É a primeira coisa que penso quando acordo pela manhã. E faço quase todos os dias. Às vezes, cedo. Outras mais tarde. Ocorre à noite também. Acho que estou viciado em correr.
Google imagens
Tudo começou dia 24 de março, uma segunda-feira. Estava sedentário há uns dois anos e tinha que tomar uma decisão. No dia anterior, um domingo de plantão na redação, lendo matérias sobre pessoas que mudaram de vida com base na prática de exercícios físicos pensei: vou entrar nessa a partir de agora. Como um insight. Estava determinado e focado. Não era uma promessa boba, tanto que não contei para ninguém. Bastava somente eu saber.

O primeiro passo foi mudar a alimentação e naquele almoço, horas depois de ter lido a matéria, as coisas foram diferentes. Mais legumes, sem frituras e nada de refrigerante. E a tendência seguiu no jantar. Caso contrário, naquele domingo chuvoso, era certeza que eu meteria a cara em um junk food.

Na segunda-feira despertei cedo. Coloquei uma camiseta, bermuda e sai para caminhar, como não fazia há meses. Caminhava apenas dentro de casa e no local de trabalho. Só. Pesava pouco mais de cem quilos e achei melhor procurar um cardiologista também. Fiz os exames e oficialmente fui liberado para fazer exercícios.

Algumas semanas depois, as passadas começaram a ficar monótonas e meu corpo pedia pra correr. E me arrisquei nos trotes. No começo mal começava e o fôlego já esgotava. O tempo foi passando e a corrida ganhou destaque nos meus exercícios matinais e a medida que os números na balança iam diminuindo, mais força e gás eu ganhava.
Em março com 108 kg e em julho com 98 kg
A mudança foi quase que radical. Dou preferência aos pães integrais, abuso das saladas e sempre como uma fruta nos intervalos. Abri mão do refrigerante, aprendi a pingar gotas de adoçante no café, à noite não como mais antes de dormir e levo uma marmita balanceada para o local de trabalho.

O objetivo principal não era emagrecer. Verdade. Quis mudar o estilo. E com esse novo hábito, passei a dormir melhor e ter mais disposição. Os meses foram passando e os números continuaram caindo na balança. A sensação de quebrar gordura é sensacional. E atrelado a tudo isso eu passei a correr quase que diariamente.

A caminhada rápida precede o trote. Os primeiros minutos de corrida são de adaptação. Aos 10 minutos o corpo embala. O suor molha o boné dry fit e a respiração ofegante de nada incomoda. A sensação é de que dá pra correr igual o Forrest Gump. Só paro quando as dores surgem e quando o fôlego cessa. Ao fim a sensação é indescritível. Essa substância que o cérebro libera é muito boa. Estou viciado nisso. 

E minha rotina prossegue: alimentação balanceada e exercícios (corrida) quase que diários. Tinha 108 quilos no dia 24 de março. Cheguei aos 98 no final de julho. São números que apontam um emagrecimento significativo. Porém, voltar a entrar em roupas antigas, ter mais disposição e estar cuidando do meu bem mais precioso, a saúde, não tem preço. Não tem caloria gasta que pague. 

sexta-feira, 6 de junho de 2014

Vai ter Copa

Zico perdendo pênalti contra a França em 1986 (Google Imagem)
Tinha 9 anos quando o Brasil foi eliminado pela França nos pênaltis na Copa de 1986, no México. Na sala da minha antiga casa da Rua Tiradentes, centro de Suzano estavam: pai, mãe, irmão com 6 anos e irmã de 2. Eu tinha noção que aquilo era uma competição importante. Vi Sócrates, Zico e Careca caírem nas oitavas. Meu pai reclamou o tempo todo dos gols perdidos durante a partida. Foi a primeira sensação derrota no esporte que vivi. O clima de luto pós jogo era inédito pra mim.

Nós no circo depois do jogo do Brasil em 1990
Em 1990 eu já estava na sétima série e tinha 13 anos. Lembro da propaganda do Kadetti Turim na televisão (era o carrão do ano). Me recordo da abertura do mundial e do primeiro jogo: Itália e Áustria. Eu já era corintiano e acompanhava futebol. O jogo decisivo contra a Argentina foi em um domingo. Na segunda etapa parei de ver a partida em casa e corri até minha avó, que morava a poucos metros de mim. Mesmo com a rua deserta, no meio do caminho, ouvi o país lamentar com o gol de Caniggia. Fiquei triste mais uma vez, mas o luto passou rápido e naquela mesma tarde fui ao circo Frederico Orfei com meus pais, irmãos e primos. 

Branco, Romário e Dunga (Google Imagens)
Aos 17 anos, um mês antes da chegada da nova moeda do Brasil em 1994, eu era balconista em uma papelaria em Suzano. A Copa tinha um outro significado. Além de mais antenado no Mundial, a sensação de sair mais cedo do trabalho para ver os jogos da seleção em casa, na época, era o mesmo que ser dispensado da escola quando o professor das últimas aulas de matemática faltava. A sala da minha avó parecia uma arquibancada. Tios, primos, pipoca e Ajinomoto. Romário jogou muito e o Brasil foi passando pelas seleções até chegar na Itália. Nas cobranças de pênaltis, meu tio Carlinhos se trancou dentro do carro. Baggio foi o cara responsável por uma das mais fortes explosões de alegria que já senti na vida. "É tetra, é tetra", berrava Galvão na televisão. O país saiu às ruas e a minha adolescência teve um gosto a mais naquele ano.

Clima após a derrota contra a França (Google imagem)
Ainda me considerava um adolescente em 1998 e a Copa da França tinha tudo para ser a melhor de todos os tempos. Eu tinha certeza que o Brasil seria penta naquele ano. Não foi. Por que? Bom, na época eu era estudante de jornalismo e escrevia uma espécie de artigo em um jornal de distribuição gratuita em Suzano, do meu amigo Chiquinho. Tinha 21 anos. Trabalhava, estudava e baladeava. Esse foi um ano incrível. Na véspera da final, um sábado de temperatura baixas, fui a um casamento e tinha certeza que no dia seguinte levantaríamos a taça. No domingo, quando o Galvão (com uma voz estranha) disse que Ronaldo era dúvida (uma hora antes do jogo) pensei: "Perdemos a Copa". Eu e meus amigos (reunidos para torcer) vimos a França dar uma surra em nossa seleção. Neste dia não teve comemoração no centro da cidade.


Cafú levantando a taça (Google imagem)
Assistir aos jogos de madrugada não era empecilho. Eu ia muito com a cara da seleção no Mundial da Coréia - Japão. Rivaldo e Ronaldo, naquele ano, arrebentaram. Eu tinha mudado de casa recentemente e trabalhava como vendedor de livros no shopping de Suzano. Dava para trabalhar e acompanhar a seleção. Porém, no domingo do Penta eu tive de abandonar um churrasco e ir para a livraria. Detalhe: foi o primeiro churrasco na história que eu vi começar às 8h. Aconteceu em um condomínio na Rua Tiradentes (onde morei por 17 anos). Gritei é Penta várias vezes, abracei os amigos, não bebi, comi carne e fui trabalhar por volta do meio-dia. O pai de um amigo estava tão bêbado que em vez de Brasil, ele gritava "Barrel". 

Estreia contra a Croácia (Google imagem)
Não sei porque, mas não curti muito a Copa de 2006. Eram bons jogadores, mas algo não me agradava. A estreia também foi contra a Croácia (como agora em 2014), com vitória. A formação tática da seleção contava com um tal de "quadrado mágico", porém, não encaixou. Já trabalhava como repórter no jornal Mogi News e assistia aos jogos na redação. Na estreia, faltando 30 minutos para o apito inicial, moradores da Vila Natal, em Mogi, ligaram na redação revoltados dizendo que a havia acabado de ocorrer um blackout no bairro. A chefia de reportagem me enviou para o local. A pauta seria para mostrar que a queda de energia deixou pessoas sem ver a estreia da seleção. Cheguei no bairro, mas a luz já tinha sido restabelecida. Graças a Deus a pauta caiu. Na volta cruzamos uma cidade deserta até chegar na redação. Um trajeto que levaria 30 minutos foi feito em 10. A estreia foi com vitória, mas logo mais a frente, nas quartas, caímos, mais uma vez, diante da França em um sábado frio.

Falar do Mundial de 2010 o que me vem a cabeça é Vuvuzela e Jabulani. Trabalhava a tarde na TV Mogi News e fui escalado para fazer as matérias dos jogos do Brasil. Neste caso, acompanhava cada partida em um local. Bares e restaurantes. Prestava a atenção no jogo, mas tinha que estar atento à pauta. Eu acreditava na seleção neste ano. Tinha um clima de hexa, mas não foi. Contra a Holanda minha pauta foi em uma casa noturna de Mogi que instalou um telão para os frequentadores acompanharem a peleja ao meio-dia. Lembro de um cara segurando um copo de cerveja e xingando muito nos minutos finais. O juiz apitou, ele escondeu o rosto e chorou. Rapidamente a rua ficou vazia e a festa nos arredores da praça Norival Tavares foi adiada para 2014.

Quando uma Copa acaba dá impressão que 4 anos são uma eternidade. Mas, quando é ano de Mundial percebemos que a espera não foi nada, ainda mais quando nós (Brasil) sediaremos o Mundial. Na época em que definiram que o Mundial seria aqui no Brasil achei bacana, num primeiro momento. Depois fiquei em dúvida se a organização de um evento tão grande como esse devia ser visto como prioridade em um país que carece de tantos serviços básicos. Porém, de qualquer forma torcerei para a nossa seleção como fiz em todas os mundiais. Vai ter Copa: os estádios ficaram prontos, as obras de infraestruta não como prometeram, Neymar irá jogar e o Brasil pode ser hexa.

quarta-feira, 30 de abril de 2014

Portelão ao vivo

UMJs da Rede Globo. Foto: Google Imagens
Em 1994 soube o que era uma UMJ (Unidade Móvel de Jornalismo) quando vi, pela primeira vez, algumas no estacionamento do Ginásio Municipal Paulo Portela, o Portelão, em Suzano. Era um domingo e naquele dia o time de vôlei campeão da minha cidade entraria em quadra. Tinha 17 anos e sempre estava por lá. Atenção voltada para a partida: um olho no lance e o outro no movimento dos repórteres que cobriam o jogo. Foi nessa época que tive a certeza de que queria ser jornalista. Me imaginava, um dia, fazendo aquilo que os repórteres faziam no Portelão. E os jogos para mim eram um misto de emoção diante dos gritos que vinham das arquibancadas (Suzanoô, suzanoô...) e a satisfação em poder observar a imprensa ali, tão perto de mim.

Maurício no Portelão. Foto: Google Imagens
Naquela época o time de Suzano ostentava jogadores campeões olímpicos. Giovani, Marcelo Negrão e Maurício eram sempre vistos em agências bancárias e supermercados da cidade. Suzano era a Capital do Vôlei e palco de inúmeras atividades voltadas para a prática do esporte. Campinhos de futebol perdiam a força e davam lugar as quadras improvisadas na periferia. Era só vôlei que os mirins queriam jogar nas ruas e nas escolas.


Giovani em quadra pelo Suzano
Os jogos eram quase sempre transmitidos pela TV Bandeirantes. Boa parte deles nas tardes de domingo. Marco Antônio (já falecido) e o apresentador José Luiz Datena eram sempre escalados para narrar as partidas ao vivo. E na reportagem da Band lá estava Olivério Junior. Fora os antigos repórteres do Globo Esporte (Lívio Lamarca, Roberto Thomé e César Augusto). Certa vez fui entrevistado por Michael Keller (atualmente está na Record, mas na época fazia parte da equipe de esporte da Globo). Nem lembro o que ele me perguntou, mas a sonora (entrevista) não foi ao ar. A TV Cultura enviava a jornalista Lia Benthien. Eu era fã das reportagens dela. A equipe do canal 2 sempre chegava no Portelão a bordo de uma antiga Chevrolet D-20.

Se o jogo era às 15h, por volta do meio-dia eu pegava minha berlineta e fazia uma ronda no entorno do ginásio. O objetivo era observar as equipes de reportagem desembarcando no ginásio. Ficava eufórico só de observar aquilo. Cabos de tramissão, montagem de câmeras e ajustes de antenas. Em casa, deixava o vídeo-cassete programado para gravar. Pouco antes do apito inicial lá estava eu com meus amigos atrás do alambrado perto da entrada principal do "Caldeirão Suzanense".

Essa era a rotina da época. Orgulho de ter um time competitivo que levava o nome da cidade para outras freguesias. Até hoje pessoas de outras regiões ainda relacionam Suzano com o esporte que lhe rendeu anos de glória. Um amigo de Boituva, que trabalha atualmente comigo em Mogi das Cruzes, é um deles. "Só conhecia Suzano por causa do vôlei", diz Pedro Carlos Leite. O time tornou o município, na época com 200 mil habitantes, conhecido no país e na América do Sul. 

E e só ouvir a música "O canto da cidade" de Daniela Mercury (tema do time) que tudo me volta a cabeça. A vibração da torcida, o cheiro da pipoca, meus cabelos da adolescência, minha vontade de estudar jornalismo e o orgulho de ser suzanense.  

sexta-feira, 11 de abril de 2014

Na batida do Taikô

Quando percebi já era tarde. Me vi no monitor do estúdio, no ar, com os braços levantados na sincronia da batida. Foram intermináveis segundos e a vontade era de cair debaixo da bancada. Não tinha mais nada a fazer. Tentei esconder a caixinha do suco nos últimos momentos quando dei mais uma olhada no monitor e lá vi minha cara sem graça. Não tinha mais nada a fazer mesmo. Uma semana depois eu estava no Top Five do programa CQC da Band. (Veja vídeo)

Em época de Akimatsuri em Mogi das Cruzes (tradicional festa japonesa), me peguei lembrando desse episódio esta semana e uma postagem do amigo Ricardo Rodrigues no Facebook desencadeou inúmeros comentários sobre o Taikô na bancada, né Ana? Além do fato em si (da minha cara de ué), passamos a lembrar do nosso dia a dia na emissora naquela época. 

Era uma rotina bem diferente. Despertava às 4h da matina e por volta das 5h já estava sentado diante do computador na redação finalizando o programa com meus colegas. Maurício e Nádia eram os nossos produtores anjos da guarda. Pouco antes das 6h, Juliana [minha companheira de bancada] e eu descíamos para o estúdio e 30 minutos depois estávamos dando bom dia, ao vivo, aos telespectadores do canal a cabo. Às oito entregávamos o programa e iniciávamos a produção para o dia seguinte. 

Uma equipe nova, assim como a emissora. Eu, nascido no final dos anos 70 e fã do filme "O Vingador do Futuro", era tido como "tiozão" da turma. O nosso programa tinha um clima agradável de diversão e amizade. Tomávamos café juntos todos os dias após sairmos do ar: técnica, produção e apresentadores. Mas naquela terça-feira de junho de 2012 algo deu errado.  

O programa acabou bacana com imagens de um evento em comemoração à imigração japonesa com um grupo de Mogi tocando Taikô. A batida envolveu os apresentadores e, enquanto o letreiro subia, Juliana e eu começamos a tocar Taikô imaginário. Jogamos os braços pro alto e fomos na batida. Uma mistura de percussão japonesa com Timbalada. 

Confesso que comecei primeiro, mas logo a Ju acompanhou meus movimentos. Fizemos aquilo porque o sinal não voltaria a ser aberto no estúdio. A atração matinal já havia acabado. Mas por um problema técnico a imagem voltou, né Juan?

Meu ponto eletrônico estava quebrado e, por isso, não estava usando o equipamento naquele dia, mas do estúdio deu para ouvir o grito do Mauricio vindo lá da switcher: "Nãooooooooooooooooo". A coisa estava feita e lá estávamos nós dois no monitor, no ar. Sem defesa e sem dó. Era só perdão que eu poderia pedir no momento. Depois da sessão gargalhadas veio a preocupação, porém, naquele dia ninguém nos chamou a atenção. Aliás, nunca levamos bronca por causa do ocorrido. Valeu, Paulo.


Ju,liana, eu e os '"anjos da guarda", Maurício e Nádia
Os dias se passaram e o vídeo foi parar no YouTube [veja vídeo]. Até aí tudo bem, somente nós da emissor assistíamos para dar risada. Em dois dias, 18 visualizações. Porém, em uma tarde fria uma pessoa me liga e diz. "Cara, eu vi um vídeo seu no Kibe Loco". Já eram 10 mil visualizações. Mais tarde a sessão Taikô foi parar no Yahoo e no dia seguinte mais de 50 mil pessoas já haviam assistido o nosso deslize. Foi aí que a nossa bronca [que havia sido adiada] se transformou em elogio. "Legal o que vocês fizeram", disse alguém da direção da TV.

Porém, o ponto alto foi mesmo a aparição no TOP Five do CQC. Naquela segunda-feira eu já estava dormindo, afinal acordava antes das galinhas. Despertei com o toque do celular e as mais de 100 notificações no Facebook. Confesso que imaginava que a "nossa falha" pudesse virar chacota do programa da Band, mas não botava fé. E virou.

No dia seguinte Juliana e eu ganhamos status de celebridade no local de trabalho. Estávamos em inúmeros blogs espalhados pelo Brasil e onde íamos as pessoas falavam da aparição. O Maurício Bueno da produção pirava com os comentários. Um deles me chamava de "gordinho cara de toba". Esse é o preferido dele.

Até hoje, quase dois anos depois, minha colega jornalista Vania Rodrigues, que trabalha lá com o Silvio Santos, ainda me chama de "Douglas CQC". E no final daquele ano a nossa peripécia ganhou o segundo lugar no TOP Five melhores de 2012. [Veja vídeo]

Tudo bem. Nos empolgamos com a batida do Taikô. Aliás, percussão costuma chamar a atenção e, em alguns casos, provoca movimentos involuntários. Beleza, imitamos os japoneses e não há nada de mau nisso, muito pelo contrário, a "falha"se tornou uma homenagem à respeitosa colônia japonesa. 

Agora... tem uma coisa que me intriga até hoje e acho que jamais terei resposta para tal indagação. Não sei o motivo pelo qual eu tentei esconder a caixinha do suco. 

Matéria Yahoo

Matéria Kibe Loco

sexta-feira, 4 de abril de 2014

Esporte preferido: observar

Tem um homem de aproximadamente 45 anos que corre num ritmo forte, olhando sempre para frente com o rosto levemente risonho. Não usa aquelas roupas mais apropriadas para corrida, porém, o desempenho físico parece ser o mesmo. Camisa polo com um crachá escondido, calça preta e fones no ouvido. Por onde passa trotando leva consigo o barulho do atrito de chaves e moedas acumuladas no bolso. Esse cara corre no Parque Max Feffer, em Suzano.

O parque pela manhã tem cheiro de mato porque quase sempre há um funcionário cortando a grama com aquelas máquinas. Quando o ruído do aparelho cessa, são os quero-queros que roubam os decibéis com aquela gritaria aguda. O parque também tem barulho de respiração ofegante dos corredores que sobem e descem a pista de cooper quebrando calorias e recordes.

São duplas, grupo com quatro pessoas e os sozinhos que tem a música inserida no ouvido pelos fones como companhia. Cruzo com as pessoas e sempre pego duas ou três frases de diálogo. Alguns estão contando um fato, outros reclamando de uma situação. Boa parte dos assuntos está relacionado a perda de peso e alimentação saudável. 

Tem uma mulher de aproximadamente 60 anos que corre ao lado do marido. Ela trota e ele anda a passos largos. Ela usa chapéu e uma camisa de tecido fino de manga longa. Ele vai de camiseta e é bem mais alto que a esposa. O parque pela manhã coleciona histórias. São pessoas que estão ali a mando do médico para controle de índices glicêmicos. Outras que querem apenas emagrecer e algumas que não vivem sem o hormônio que é despejado no sangue quando nos exercitamos. 

Curto o clima democrático daquele lugar. São pessoas de várias idades, estilos e classe social. Quase todas estão ali com o mesmo objetivo: se exercitar. Vou ao parque sempre quando posso. Para fazer uma caminhada de leve, respirar um ar puro e praticar a observância.

quinta-feira, 27 de março de 2014

A mulher dos ratos

"O rato ficou em pé e me enfrentou". A denúncia foi feita por uma ouvinte da Rádio Metropolitana de Mogi das Cruzes em 2003. A vítima, na ocasião, morava no bairro Dona Benta, em Suzano e não tinha mais a quem recorrer. Ela vivia em pânico. A casa estava sendo invadida por roedores e, desesperada, a mulher pediu ajuda, ao vivo, durante o espaço aberto ao ouvinte. Deram essa pauta pra mim. Lá fui eu enfrentar as ratazanas. 

O barato de trabalhar em rádio é a agilidade e a proximidade com a comunidade. É o mesmo barato de quem ouve o noticiário. Ficar antenado sobre o que acontece no planeta por meio de um simples aparelhinho movido a pilhas. Em uma tacada só a informação chega à dona de casa, ao açougueiro, informa o senhor que roça o terreno e o empresário parado no trânsito mergulhado no ar condicionado da BMW blindada. Agora são 9h55. E o noticiário prossegue.

Sempre fui fã de rádio e em 2003 virei repórter de rádio. O primeiro emprego na área com carteira assinada. E antes de completar 120 de trabalho fui enviado à casa da "mulher dos ratos". Era eu e o motorista, apenas. Bati palma e ela logo apareceu. A casa tinha um quintal comprido (um corredor). Naquele mesmo espaço ficavam as janelas dos quartos, cozinha e banheiro. Conversamos ali mesmo e ela me contou o drama da casa invadida pelos roedores.


Foto: google imagens
No estúdio a apresentadora informou aos ouvintes que o repórter estava na casa da mulher que enfrentava problemas com os ratos. Na entrada ao vivo ela contou novamente a história. Segundo relato da vítima, por volta das 20h, quase todos os dias, ela sempre ouvia barulho no quintal. Ao sair para verificar, a mulher se deparava com ratos grandes, que segundo a sua descrição, eram bem maiores do que os que estamos acostumados a ver. A vítima disse ainda que os grandes roedores não se importavam com sua presença e tentavam puxar, com a boca, os sacos de lixo que estavam no quintal. Mesmo com muito medo, ela gritava com os animais. Segundo ela, as ratazanas ficam em pé e a enfrentavam. Com medo a mulher corria para dentro de casa. 

Entramos em contato com a zoonoses de Suzano que prometeram visitar a casa da mulher. A reportagem voltou ao local mais algumas vezes, mas eu nunca consegui ver nenhum destes ratões. Talvez eles ficavam escondidos nos observando de longe. Dias depois, a zoonoses de Suzano foi ao local e consertou um problema existente no esgoto naquela região. Não tenho certeza, mas o local também foi detetizado. A história da "mulher dos ratos", como ficou conhecida entre os ouvintes e o pessoal da rádio ganhou fama. E muita gente deve lembrar disso até hoje. O certo é que os ratos sumiram de lá. Só não sei se foram aterrorizar outra casa.

quarta-feira, 19 de março de 2014

Tiroteio na mata

Às 11h o meu ramal tocou. Eu tinha acabado de chegar na redação do jornal. Retirava as coisas da mochila enquanto aguardava a inicialização do computador. Não esperei o quarto toque do telefone e catei o aparelho meio desesperado. Do outro lado da linha uma voz feminina. Era uma fonte (informante de jornalistas) que tinha um comércio lá pros lados da Vila Moraes, zona rural de Mogi das Cruzes. "Douglas, está cheio de policia aqui perto", disse a mulher. Assim começava uma sexta-feira do mês de maio de 2008.

A primeira coisa foi checar com a Polícia Militar, mas não havia nada de concreto por lá. Conversei com a chefia de redação e disse que precisava sair rápido. Fui até a sala dos fotógrafos e encontrei o amigo Gerson Lino Jr. Ué, mas o que ele fazia lá aquela hora? O Junior era fotógrafo da coluna social. Só frequentava festas e eventos. Chegava na redação no começo da noite com missão de fotografar a socialite. 

Mas naquele momento ele estava equipado e pronto pra sair. "Hoje eu pedi permissão para te acompanhar na pauta de polícia", justificou o jovem fotógrafo. Ele nem bem terminou a frase e eu emendei. "Então vamos logo porque temos que ver um negócio aí. No caminho te explico".

No estacionamento encontramos com o senhor Benedito. Era o motorista mais tranquilo do jornal. Aposentado, beirando os 60 anos, o Dito (para os mais chegados) é aquele condutor que passa de leve nas lombadas e troca as marchas pausadamente. É o senhor estilo vovô que todo mundo gosta e ninguém fala mal. "Meu sistema é esse". A frase era dita por ele com orgulho pelo menos umas seis vezes por dia. "Dito, toca pra Vila Moraes", avisei. E assim fomos sentido a zona rural mogiana.

Cheguei ao bar da informante. Tomei uma água enquanto ela me indicava onde as viaturas estavam. "Já subiram algumas viaturas", disse a comerciante. Seguimos na estrada de terra sob orientação da fonte. Numa determinada altura vimos uma viatura parada na entrada de uma trilha. Não havia nenhum PM por perto. O Dito estacionou o carro do jornal ao lado e por ali ficou. Eu e o Junior descemos a trilha a pé. Andamos uns 10 metros e nos encontramos com alguns policiais. Eles haviam localizado um carro roubado no meio da mata. 

Era a primeira vez que o fotógrafo Junior trabalhava em uma pauta policial. Então ele me perguntou se deveria fotografar o carro roubado. "Faz umas fotinhas sim, Junior", expliquei. Estávamos em uma área de mata fechada e comecei anotar algumas informações. Segundo a PM, o local estava sendo usando como desmanche clandestino de carros. Em seguida, os policiais subiram a trilha em direção à viatura, lá na estrada de terra onde o carro do jornal também ficou parado. Eu e o Junior permanecemos onde estávamos, no fim da trilha, a cerca de 15 metros da estrada. 

De repente ouvimos um carro se aproximando pela estrada de terra. O clima ficou tenso, já que os PMs correram para ver. Logo os policiais gritaram: "Pára, pára, pára". Não podíamos ver o que se passava na estrada, mas dava para ouvir bem. Em seguida, um forte tiroteio começou. Imediatamente eu deitei no chão e o Junior fez o mesmo. Fiz sinal de silêncio levando o indicador direito à frente da minha boca e ele já estava pálido feito uma folha branca. Os tiros e gritos de ordem continuavam.

Ficamos deitados na lama e o Junior me perguntou em forma de sussurro. "É sempre assim?". E eu respondi: "Não, essa é a primeira vez que acontece". E várias coisas começaram a passar pela minha cabeça. Lembrei da hora que despertei em casa para vir trabalhar. Imaginei que poderia morrer na pauta e que nunca mais voltaria para casa. Achei que os ladrões iriam invadir a mata e nos tomar como reféns. Me preocupava com o Dito, que ficou na estrada. Mas não tinha nada a fazer. Apenas rezar e esperar. Foram os 10 segundos mais longos da minha vida até que os tiros cessaram. Aguardamos ainda mais um tempo, uns 30 segundos, para subir a trilha. Ouvimos os policiais dizendo que uma pessoa tinha sido presa. 


Deixamos o local com as pernas moles. Dito foi o primeiro que vi. Estava atônito. Ele ficou escondido atrás do carro do jornal durante os dez segundos de bang-bang. Fez sinal de positivo. Nada acontecera com ele. Nos encontramos com os policiais e eles estavam preocupados com nossa integridade. 

Dissemos que estávamos bem e, depois do susto, a sessão gargalhada começou. Eles (policiais) explicaram que um grupo de bandidos se aproximou em dois carros quando o tiroteio começou. Um foi preso e o resto do bando se escondeu na mata. Eles abandonaram os dois veículos que, segundo os PMs, também eram roubados.

Os acessos à estrada de terra foram bloqueados. E o helicóptero Águia logo chegou para auxiliar nas buscas pela mata. Após o susto Junior fez centenas de fotos. E a sensação de alívio que eu sentia era inexplicável. Após horas de buscas, nenhum suspeito foi localizado. A PM liberou os acessos e nós viemos embora. Por ser uma sexta-feira e o local abrigar vários sítios, um engarrafamento de turistas havia se formado na entrada na estrada. Conversamos com alguns deles e explicamos que o perigo já havia passado. 

Na redação contamos sobre nossa aventura na mata. Por volta das 18h eu escrevia o texto ainda sob efeito da adrenalina. E, ao mesmo tempo sentia um alívio por estar bem. Agradeci o Junior pelas fotos e pelo profissionalismo. No dia seguinte, a matéria foi manchete e as fotos do Junior ganharam destaque na capa. Registros dignos de um fotógrafo experiente que não titubeou diante da situação. Não me lembro se ele voltou a fotografar para a coluna social, mas o tiroteio na mata rendeu assunto nas rodinhas do jornal por várias semanas.

terça-feira, 11 de março de 2014

O passageiro

No primeiro feriado de 9 de julho que foi instituído em 1997 no Estado de São Paulo eu não dormi até tarde. Estava bem acordado quando alguém (não me lembro quem) chegou em casa dizendo que havia um boato de que um avião caíra em Suzano naquela manhã de sol. Fiquei espantando. Liguei o rádio no noticiário e logo ouvi o repórter informando que um corpo foi encontrado em uma plantação em Suzano. Eram fortes as suspeitas de que o homem morto, na verdade, tratava-se de um passageiro que fora ejetado de um avião da TAM, em pleno voo, durante uma explosão. Eu, estudante de jornalismo, com  20 anos de idade, fiquei hiper agitado com essa notícia. A todo custo queria ir ao local onde o corpo do passageiro foi localizado. 

A notícia se espalhou rapidamente pelo país. Isso porque em menos de um ano aquele era o segundo acidente envolvendo um avião da TAM. Em outubro de 1996, um Fokker 100 caiu no bairro Jabaquara, minutos após a decolagem: 99 morreram. Estive no local, na época. Estava há poucos meses na faculdade de jornalismo. Aproveitei a ida à capital para participar de um curso e, na volta, estiquei até a Zona Sul. Havia passado quatro dias do acidente. Jamais esquecerei o cenário de destruição na Rua Luis Orsini de Castro. Fiquei um tempo olhando a movimentação dos repórteres que ainda faziam plantão no local e tive mais certeza que era aquela a profissão que queria seguir.

Com a certeza no peito, no dia 9 de julho, do mesmo modo fiquei ouriçado para chegar ao local da queda do passageiro em Suzano. Eu nem tinha máquina fotográfica, mas o simples fato de ver de perto aquela ocorrência já me deixava satisfeito. Fui até a casa da minha avó, encontrei meu tio e o convenci de irmos até os arredores do Distrito de Palmeiras para tentar descobrir algo. Naquele momento a imprensa já dava como certa a versão. Era um passageiro que caiu do avião após uma explosão. A aeronave prosseguiu em seu voo até Congonhas onde pousou com segurança. Ninguém mais se feriu. Meu tio topou de me levar lá pros lados de Palmeiras, onde a imprensa dizia que o homem caiu.


Explosão abriu um buraco na fuselagem do avião. Foto: Google Imagens
A bordo do Fiat Uno prata seguimos na aventura pela Rodovia Índio Tibiriça. Eu não tinha muita noção onde era o ponto exato da ocorrência, mas fomos a esmo, sentido Distrito de Palmeiras. Por pouco tempo me senti um repórter indo para a pauta. A adrenalina do momento me dava uma sensação de satisfação. Não ia registrar nada do que estava acontecendo, mas sentia uma imensa vontade de estar envolvido naquilo. 

Fomos até Palmeiras, rodamos por uma estrada de terra e o tal sítio onde o corpo foi achado ficava cada vez mais longe. Resultado: não encontramos nada. Na volta cruzamos com um carro de reportagem do SBT. Até pensei em segui-lo, mas meu tio achou melhor irmos embora. 

Mais tarde os telejornais só falavam desse assunto. Me lembro perfeitamente que, por volta das 15h, um helicóptero branco e robusto, daqueles que têm até trem de pouso, desceu no terreno onde hoje está instalado um hipermercado e o shopping de Suzano. Desembarcou um dos diretores da TAM. De carro ele seguiu até o local do acidente.


Eu, que era leitor assíduo dos jornais da região e da capital, não via hora de chegar o dia seguinte para pegar os periódicos. O primeiro foi o Diário de Suzano. Me lembro da capa até hoje. Porém, um nome me chamou a atenção: Carlos Magno. Era o fotógrafo que fez as fotos do passageiro morto. Logo depois fiquei sabendo que ele foi o único fotógrafo do país a registrar a cena do acidente. As fotos dele rodaram o mundo e ilustraram as capa de quase todos os jornais e revistas do Brasil. Em poucos minutos virei fã do profissional. 

Eu conhecia os profissionais da imprensa regional somente por meio de créditos. São os nomes no cantinho das fotos e no topo das matérias. E pensava: Será que um dia me tornarei como eles. O sonho era ter o meu nome creditado em uma matéria. "Quem sabe um dia", pensava eu. Aliás, sonho de qualquer estudante amante do jornalismo.


Carlos Magno e o registro de sua história no livro Memórias
de Suzano.
O tempo passou e em 2008 acabei conhecendo Carlos Magno pessoalmente. Foi quando participei do projeto para escrever o livro Memórias de Suzano, com outras 3 amigas jornalistas. A obra tem um capítulo especial, escrito pela amiga Carla Fiamini, o qual relata o grande feito do fotógrafo suzanense. 


Desde então em todos os feriados estaduais em que se comemora a Revolução Constitucionalista de 32 a história do passageiro ejetado do avião me vem a cabeça. Às vezes me pego olhando para o céu em sincronia com o ruído agudo de um jato qualquer. E sempre vou acompanhando o movimento da aeronave até ela desaparecer do meu campo de visão. E quase sempre durante essas observações a tal história me vem à cabeça. "Como ele [passageiro] foi cair justo em Suzano".


sexta-feira, 7 de março de 2014

A matéria que eu não consegui fazer

É chocante chegar ao local de um acidente de trânsito com vítimas fatais minutos após a colisão dos veículos que vinham em alta velocidade. Sentir o calor das máquinas interrompidas e testemunhar os ocupantes inertes, opacos e sem pulsação, é algo que fixa na memória. O jornalista chega com o objetivo de produzir sua melhor matéria e tem de se manter firme diante da cena. Já passei por várias situações assim nestes 11 anos de jornalismo diário. Não é tarefa fácil, mas quem ouve, lê ou assiste, precisa estar informado. Essa é a missão e pronto. Mas e quando as vítimas são seus amigos? São pessoas do seu convívio? Aconteceu comigo em 2005, porém, de uma maneira diferente. Não cheguei ao local logo após o acidente.

Morei na Rua Tiradentes, em Suzano, por mais de 15 anos. Ali passei a infância, adolescência e começo da vida adulta. Diante da casa onde vivia, no começo dos anos 90, o campinho de terra das partidas de futebol e as rodadas de bolinha de gude, deu lugar a um residencial, que rapidamente ficou pronto. A molecada da vizinhança se entrosou com os "meninos dos predinhos" e a amizade evoluiu. 

Dois novos moradores ganharam destaque na nossa turma. Ambos usavam aparelhos fixos nos dentes, um santista o outro corintiano. Pouca diferença de idade. Um era um goleiro quase profissional e o outro jogava razoavelmente bem na linha. O primeiro namorava sério e o segundo quase sempre na solteiro. Neste caso, ele frequentava nosso bando com mais frequência. Um era o Rogério e o outro, Thiago, mais conhecido como Fininho. E "Kabout" era o nome da balada que dominava a noite suzanense nessa época. 

Além da vida noturna, nosso grupo gostava de um futebol. Em 1998, um campeonato no "Areião" (em frente onde hoje é o shopping de Suzano) foi a atração daquele ano, bem como as festas no Tênis Clube, jogos de vôlei do Suzano no Portelão e os shows na Ovni, em Mogi. Época boa.

O tempo passou e em 2005 eu já era repórter do jornal Mogi News. Não morava mais na Rua Tiradentes, no entanto, os amigos dos "Predinhos" continuavam lá. Fininho, que passou uma temporada morando em Portugal, tinha acabado de voltar a Suzano. Estava cheio de gás e tinha planos de começar a fazer faculdade. Se reencontrou com o amigo Rogério e reativaram a forte amizade, ali mesmo, nos "Predinhos".


Em uma sexta-feira (junho de 2005) cheguei na redação por volta das 8h30. Dei uma olhada na capa do jornal do dia e logo depois a chefe de reportagem me entregou a pauta do dia: um acidente com vítimas fatais na "descida da Coca" durante a madrugada em Mogi das Cruzes. Fui para o Corpo de Bombeiros, em Brás Cubas e vi o carro bastante destruído em frente a delegacia (o distrito policial fica ao lado do quartel dos bombeiros). Era uma cena que fazia parte da minha rotina, pois naquela época trabalhava como repórter na editoria de polícia do jornal e sempre fazia este tipo de cobertura

Vi o carro prata e pensei: a batida foi feia. Entrei no quartel e conversei com o sargento que atendeu a ocorrência. Batemos um papo, ele me deu detalhes do que viu quando chegou ao local do acidente. Disse que o veículo bateu violentamente em um poste. Fiz mais perguntas e logo em seguida ele me entregou as fichas com os nomes e endereço das vítimas. Nessa hora eu paralisei. 

Os jovens mortos eram Rogério e Fininho. Até hoje não sei explicar direito o que senti naquele momento. Contei para o sargento que as vítimas eram meus amigos. Ele testemunhou minha palidez e me acalmou . 

A partir daquela hora eu não era mais o jornalista que iria começar a apurar mais uma história de acidente de trânsito com vítimas fatais. Eu era o rapaz que tinha acabado de receber a notícia de morte de dois "super chegados". Um outro amigo nosso também estava com eles no carro, mas graças a Deus se feriu levemente. Liguei para o meu irmão para contar e ele tinha acabado de receber a notícia. Ficamos extasiados.

Quando sai do quartel dos bombeiros olhei novamente para o carro danificado na porta da delegacia. Mas, dessa vez, vi o carro com outros olhos. Imaginei várias coisas. Naquele momento eu desmoronei e falei para a fotógrafa Luciana, que me acompanhava nessa pauta, que eu não iria dar prosseguimento na matéria.

Bastante abalado, liguei na redação e conversei com a chefe. Expliquei que eu não conseguiria escrever uma linha daquilo. Não sei se fiz o certo, mas eu não tinha condições psicológicas. A chefe entendeu, me dispensou da reportagem e escalou um outro repórter para a missão. 

Dos dois amigos que morreram, Thiago, o Fininho era o mais próximo de mim. Talvez porque vira e mexe estava com a nossa turma. Fininho vivia em casa. Ele e meu irmão faziam "rolo" com roupas. Você me dá essa camiseta que eu lhe entrego uma bermuda. No esquema de escambo. Foi aí que ele batizou meu irmão com o apelido de "coxa". Ele tinha 22 anos quando se foi. Uma semana antes do acontecido eu vi o Rogério em uma padaria de Suzano. Estava com o pai dele. Me cumprimentou sorrindo, como sempre. Morreu aos 24.

Permanece a lembrança de duas pessoas do bem e cheias de vida. A gentileza de Rogério e a tiração de sarro de Fininho ficaram na memória. Os dois sempre estavam juntos e se foram juntos naquela madrugada do dia 16 de junho. Essa foi a matéria que eu não consegui fazer.

sexta-feira, 28 de fevereiro de 2014

Fui uma "Viúva Virgem" em 1998

O tempo estava abafado então o batom começou a derreter rapidamente. Passava das 20h e o fato de estar atrasado não me deixava escolher os brincos e o colar que usaria naquela noite. A pressa me fez vestir o vestido estampado em 15 segundos. Calcei a rasteirinha, peguei um óculos escuros, encontrei com os amigos e juntos descemos a Rua Tiradentes, a caminho do centro de Suzano. Era um grupo de jovens vestidos de mulher rumo à concentração do Bloco "Viúvas Virgens", no carnaval 1998. O último ano em que a festa popular foi realizada na Rua General Francisco Glicério.


Foto: Rita Pires
O bloco conhecido por arrastar centenas de homens vestidos de mulher se preparava para mais uma noite de desfile. Nosso grupo formado por seis jovens suzanenses estava lá. Minha irmã e as amigas dela ficaram atrás do cordão de isolamento com a missão de tentar nos fotografar. Estavam com uma Yashica manual, munida com um rolo de filme Fuji colorido de 24 poses.

Naquela época, os desfiles carnavalescos em Suzano aconteciam nos 4 dias. Sábado eram os blocos e domingo as escolas. Depois essa sequência se repetia na segunda e terça. Mas o nosso desfile era foi em uma segunda-feira. Passava das 20h30 e lá estávamos na concentração, pouco antes da Praça dos Expedicionários.

O mais interessante no bloco era o espírito democrático. Desfilava quem tivesse vontade. Bastava aparecer com trajes femininos e se juntar aos outros [outras] na concentração. Não existia samba enredo. E o primeiro carro sempre satirizava o cenário político atual da cidade. Ali era exposta a criatividade do criador do bloco: o suzanense Américo Xavier. Um figuraça, amante do carnaval. 

E assim que a sirene tocava as viúvas desciam a Glicério de peito aberto. Eita tempo bom. O público as aguardava com empolgação. E a bagunça tomava conta da rua mais conhecida da minha cidade. Me lembro o quanto era engraçado ver advogados, empresários, comerciantes e operários de Suzano vestidos de mulher. O mais gostoso no desfile era a participação do público que sempre interagia com travestidos. 

E o nosso grupo debutava naquela festa democrática em 1998. Não havia brigas e confusões. Era só brincadeira e descontração. O desfile terminava lá na Praça João Pessoa (a segunda praça, como dizem os suzanenses). E a festa continuava até o final dos desfiles na passarela do samba.

O grupo subia a Rua Benjamin (paralela à Glicério). Era o caminho de volta à folia. Em pouco tempo já estávamos livres das roupas femininas e prontos para continuar curtindo o carnaval. Minha tarefa, naquele dia, era encontrar minha irmã para saber se ela tinha conseguido me fotografar no meio da bagunça. 

As fotos foram feitas, mas só saberíamos o resultado depois da quarta-feira de cinzas. Era o antigo processo (revelação). E para falar verdade, até que era gostoso ter de esperar o resultado das fotos. Pois bem, botei fé que pelo menos um retrato sairia daquele rolo de filme. Fotografar em meio a arruaça que as viúvas promoviam no centro era uma missão meio que impossível.

Na ressaca de carnaval o resultado: fotos inéditas. Foi um sarro entre os amigos e familiares. Os retratos eram passados de mão em mão. Depois colocados em álbuns e arquivados em armários. Muito diferente da maneira como lidamos com fotos no mundo digital de hoje, com Facebook e Whatsapp. E como no carnaval tudo é festa, após 16 anos, resolvi publicar um desses retratos para comemorar. A foto abaixo é inédita. É a lembrança do último da Rua General Francisco Glicério.
Foto: Rita Pires